Associação Portuguesa de Psicogerontologia

OS TESTEMUNHOS, CONTRIBUTOS E REFLEXÕES DAS PESSOAS

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OS TESTEMUNHOS, CONTRIBUTOS E REFLEXÕES DAS PESSOAS

A APP iniciou em 1 de Março de 2013, um espaço aberto aos testemunhos, contributos e reflexões das pessoas. A APP quer contribuir para divulgar cada vez mais, exemplos para a promoção do envelhecimento activo e de uma cultura positiva, sem estereótipos, face à idade.

Enviem-nos as vossas histórias de vida, os vossos exemplos de vida activa e participativa.

Maria João Quintela

OS TESTEMUNHOS, CONTRIBUTOS E REFLEXÕES DAS PESSOAS

 

Almerinda Bento

Fui professora de Inglês e Português no 2º e 3º ciclos durante cerca de 37 anos, tendo-me aposentado em 2009, numa altura em que fazendo o balanço entre uma vida profissional plena e gratificante do ponto de vista emocional e um futuro marcado pelo romper do contrato de respeito pela dignidade da classe docente por parte da tutela (Ministério da Educação), decidi, pese embora a penalização ao fim do mês, que não queria de modo algum deixar a profissão desgastada, amargurada e com um amargo na boca. Saí pois com penalização material, mas satisfeita e emocionalmente feliz com a escolha que fiz.

Ainda no activo, por várias vezes o reitor da Universidade me havia convidado para dar aulas de Inglês na Universidade Sénior, convites que sempre recusei, por total indisponibilidade de tempo.

Poucos dias após o falecimento do meu pai, novamente recebi um convite do reitor, professor e ex-colega António Luís, para poder integrar o corpo docente da Unisseixal, visto saber que o facto de já estar aposentada talvez me permitisse dispor de algumas horas de trabalho voluntário na instituição.

Esse telefonema apanhou-me num período de grande dor, com o falecimento tão recente do meu pai. Uma dor que desconhecia e que me estava a deixar bastante triste e ensimesmada e sem capacidade de reagir e de sair do torpor. A minha resposta ao telefone foi de recusa, explicando-lhe que o convite estava a chegar numa muito má altura para mim! Certamente pela sua experiência pessoal e por me conhecer minimamente, o professor António Luís deu-me uma semana para pensar e que depois ele voltaria a contactar-me… Ele lá sabia!

Nesse dia, não mais deixei de pensar naquela conversa e o mais incrível é que comecei logo a pensar, a fazer planos, ou seja, voltei a activar todas aquelas rotinas mentais que foram o meu dia-a-dia de professora no activo/ professora activa. E nem sequer precisei de uma semana para me apresentar na Casa do Educador do Seixal e dizer que estava disponível.

Foi assim que começou esta minha nova experiência. Riquíssima, calorosa, desafiadora, motivadora. Há três anos que acompanho duas turmas de séniores, com idades variáveis mas dentro dos 60 e 70. Muitos e muitas muito esquecidos/as das suas longínquas aulas de inglês mas com vontade de relembrar uma língua que ouvem nos discos, ou nos filmes ou que os/as netos estudam e dominam! Outros/as que nunca estudaram a língua mas que estabeleceram como objectivo, nem que seja para dizer só umas frases quando/se for a Inglaterra, ou se me cruzar aí com algum turista! Porque a consigna foi sempre: Recusar aquele dito estático de “Burro Velho Não aprende Línguas!” Alguma coisa cá há-de ficar!

E tem sido com esta alegria que os/as tenho nas minhas aulas, desejosos/as de dar mais uns passos e de comunicar numa outra língua nem que seja para um mano-a-mano com o neto ou a neta por causa de algum homework mandado pela professora lá da escola! De vez em quando algum me diz: «Professora, eu sei que tenho dificuldades mas não desisto porque me faz bem vir aqui às suas aulas. Precisamos deste convívio e enquanto estamos aqui, os problemas ficam lá fora».
Não exagero sempre que digo que recebo muito mais do que aquilo que dou. Também eu, naquelas horas que ali estou nas minhas duas turmas de 23/24 alunos deixo fora da sala de aula qualquer contrariedade ou problema que tenha. O telemóvel está no silêncio e naquela hora e meia de cada aula, o tempo é todo para eles/as e para mim.
Quando reflicto sobre esta minha experiência, costumo dizer que ela foi o melhor “remédio” para tirar-me do torpor que a morte do meu pai deixou no meu coração e sei que para ele, seria um orgulho saber que eu tinha dado a volta por cima, utilizando algumas das ferramentas que ele e a minha mãe me deram: educação, formação, generosidade e amor.

Almerinda Bento

abento51@hotmail.com

Almerinda Bento

Comentário literário

A Máquina de Fazer Espanhóis, Valter Hugo Mãe

O último de uma tetralogia, A Máquina de Fazer Espanhóis versa o tema da velhice.

Tendo sido o primeiro livro que li deste autor, mal comecei a lê-lo fiquei contagiada pelo estilo, sensibilidade, ironia e profundidade do autor sobre um tema que muitas vezes só conhecemos no contacto com os nossos familiares queridos quando envelhecem. Para mim, surpreendente o facto de um autor ainda tão jovem conseguir através de um painel de idosos, trazer-nos os sentimentos, as angústias, os fantasmas, as desilusões e as cumplicidades de um grupo de homens que se conhecem no final das suas vidas, pela circunstância de estarem todos num mesmo lar – o Feliz Idade!

É sobretudo o universo masculino que este livro escolheu, embora as várias figuras de mulheres que surgem no livro sejam representadas sob o olhar crítico e até irónico do senhor Silva e amigos. Aos 84 anos, inesperadamente, o Sr. Silva, a personagem central do livro vê-se privado do amor da sua vida – a Laura – arrancado do seu mundo e colocado num lar que rejeita inicialmente, mas onde vai descobrir novas amizades que a sua vida muito centrada na sua família, nunca alimentou como aliás ele próprio reconhece com tristeza na parte final da vida. Entre os recentes amigos que aproveitam as tardes soalheiras no pátio do «Feliz Idade» para se aquecer, mas sobretudo para comentar, troçar do que se passa no lar, falar do passado, fazer confidências, viver enfim! o Esteves (sem metafísica do poema de Fernando Pessoa*) e o senhor Pereira foram aqueles que acabaram por ser os seus maiores amigos, os amigos do peito, aqueles com quem partilhou as maiores intimidades, aquelas que só os grandes amigos podem partilhar.

Este é um livro de uma tristeza doce, de uma humanidade que mostra o que de melhor e pior podemos ter e ser. É também uma reflexão sobre o fascismo, o salazarismo, os medos, as traições, o atavismo, a delação e o colaboracionismo e que nos tornaram um “país de cidadãos não praticantes”.

Termino citando as palavras de António Lobo Antunes na contracapa de A Máquina de Fazer Espanhóis “A maior parte dos livros são escritos para o público; este é um livro escrito para leitores”.

Depois de se ler este livro fica-nos a urgência de ler os outros livros que completam a tetralogia sobre o tempo da vida humana e de conhecer melhor este excelente jovem escritor português.

 

Almerinda Bento

abento51@hotmail.com

Fevereiro de 2013

 

Associação Portuguesa de Psicogerontologia

A Associação Portuguesa de Psicogerontologia-APP, Instituição Particular de Solidariedade Social sem fins lucrativos e de âmbito nacional, dedica-se às questões biopsicológicas e sociais inerentes ao envelhecimento e às pessoas idosas, visa a promoção da dignificação, respeito, saúde, autonomia, participação e segurança das pessoas idosas, num quadro de envelhecimento ativo e de solidariedade intergeracional, e de uma sociedade mais inclusiva para todas as idades, promove novas mentalidades e combate estereótipos negativos relativamente à idade e ao envelhecimento.