Cada vez se morre mais nos hospitais ou em clínicas – houve um aumento de 13,3 por cento em Portugal neste período.
É uma tendência que começou na segunda metade do século XX e se acentuou na última década: morre-se cada vez mais nos hospitais. A casa como lugar para o fim da vida deixou de ser predominante e o problema é que uma parte substancial das unidades de saúde ainda não está preparada para lidar devidamente com a hospitalização da morte.
Só entre 2000 e 2008, a percentagem de pessoas que morreram nos hospitais ou em clínicas aumentou 13,3 por cento em Portugal. Os óbitos hospitalares representaram 61,4 por cento do total (contra 54,2 por cento, em 2000). Ao mesmo tempo, as mortes em casa – que em 2000 correspondiam sensivelmente um terço do total – eram já menos de 30 por cento em 2008. E é preciso notar que aqui estão incluídos os óbitos em lares de idosos. Os dados, do Instituto Nacional de Estatística, são analisados no estudo Dos 15 aos 115 – Tendências da mortalidade em Portugal 2000-2008 – um trabalho em que o Alto-Comissariado da Saúde avalia a evolução da mortalidade na primeira década do século XXI, comparando os valores dos anos 2000, 2004 e 2008.
É a confirmação de um fenómeno que o presidente do Conselho para a Qualidade na Saúde, o médico Luís Campos, foi o primeiro a observar e a destacar em Portugal. Em 1991, num trabalho sobre a hospitalização da morte, Luís Campos traçava já a curva ascendente dos óbitos por doença nas unidades de saúde, por contraponto às mortes por doença no domicílio – que representavam 88,3 por cento do total em 1958. Foi justamente no início da última década do século XX que passou a ser mais comum morrer no hospital do que em casa. Um fenómeno que é explicado por uma série de factores: a ocultação da morte, a mitificação da medicina e os avanços no campo da reanimação, acompanhados da redução do núcleo familiar e do aumento do trabalho feminino. O problema é que “esta mudança sociológica” não foi acompanhada pelo sistema de saúde, observa Luís Campos. Era necessário equipar os hospitais para as novas necessidades, mas ainda pouco foi feito.
Os autores do estudo do alto-comissariado chamam justamente a atenção para as debilidades da resposta a doentes em fase terminal nos hospitais. Para avaliar esta realidade, realizaram um inquérito em 28 serviços e obtiveram respostas de 36 responsáveis. Não é uma amostra representativa, mas permite ter uma ideia do que se passa nas unidades de saúde. Basta ver que apenas 36,8 por cento dos serviços inquiridos dispõem de um local próprio ou reservado para os doentes em fase terminal e que são a excepção os profissionais que têm treino específico para lidar com estes doentes, tal como são uma minoria os departamentos que mencionam a possibilidade de os cuidados serem prestados num esquema domiciliário.
O apoio aos familiares ainda é mais descurado: o telefone é o modo mais usado para participar a morte (71,7 por cento) e só uma minoria dos médicos e enfermeiros procura ajuda psicológica para os familiares após o óbito.
No trabalho recorda-se, a propósito, um estudo conduzido este ano pela Economist Intelligence Unit sobre a Qualidade da morte em 40 países, e em que Portugal surge globalmente classificado no 31.º lugar, sobretudo devido à dificuldade de acesso a cuidados paliativos.
Cancros matam cada vez mais
Globalmente, o cenário é bom: entre 2000 e 2008, verificou-se um declínio da mortalidade em todas as idades e as mortes prematuras (antes dos 65 anos) diminuíram. A má notícia é que os cancros mataram mais. Em termos absolutos, as mortes por cancro aproximavam-se já de um quarto do total dos óbitos em 2008 (23,2 por cento), quando em 2000 representavam pouco mais de um quinto.
Em contrapartida, as mortes devidas às duas principais doenças cardiovasculares (enfartes e acidentes vasculares cerebrais) baixaram substancialmente, de 28,8 por cento em 2000, para 21,6 por cento do total, em 2008.
Os resultados não surpreendem o presidente do colégio da especialidade de Oncologia da Ordem dos Médicos, Jorge Espírito Santo, que atribui este resultado ao aumento do número de novos casos de cancros. Mas há um dado referido no estudo do Alto Comissariado da Saúde – o número de anos de vida potencial perdidos – que é mais revelador, porque este indicador é que permite aferir o impacto que uma doença tem na sociedade, diz. Em 2008, o cancro era responsável por 29,4 por cento do total de anos de vida potencial perdida.”São pessoas que morrem cedo, em idades activas, com qualificação e experiência”, frisa Jorge Espírito Santo. Apesar de o enfoque dever ser colocado na prevenção primária e secundária, o médico lembra que é a boa organização do sistema de saúde também é fulcral para melhorar a situação.
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