A encerrar o ciclo dedicado aos cuidados paliativos, «Tempo Medicina» confronta Inês Guerreiro com as críticas apontadas à RNCCI por quem está no terreno. A responsável assume falhas e defende que as EGA deviam depender menos dos serviços para não haver má preparação da alta, que é sinónimo de má qualidade.
TM — Segundo o dr. Lourenço Marques, os doentes internados em unidades de cuidados paliativos da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) não têm acesso aos recursos que teriam se estivessem internados em unidades de agudos. Isto significa que a rede discrimina os doentes?
Inês Guerreiro (IG) — O dr. Lourenço Marques tem razão. O próprio Plano Nacional de Cuidados Paliativos, publicado em 2004, contempla três níveis deste tipo de cuidados. Desde o mais intenso, que é o nível 3, ao menos intenso, que é o nível 1. Há doentes de cuidados paliativos (CP) considerados mais complexos que são os que devem estar internados em hospitais de agudos onde podem beneficiar de todos os recursos tecnológicos e das várias especialidades clínicas. Há unidades que têm um perfil menos complexo e que se destinam sobretudo ao alívio do sofrimento, ao apoio à morte e à dignidade nos últimos tempos, e é aqui que a RNCCI se enquadra. Há ainda o nível das acções paliativas, que a rede também está a desenvolver e que corresponde às equipas de cuidados domiciliários. Portanto, tudo depende das necessidades dos doentes, e por isso a rede impõe a obrigatoriedade de referenciação com avaliação prévia a nível clínico, de enfermagem e social.
«TM» — O dr. Ferraz Gonçalves, que dirige uma unidade de cuidados paliativos (UCP) integrada na RNCCI, critica também o facto de o financiamento da rede não ser igual ao dos outros serviços. Porque é que tal acontece?
IG — Porque a rede não é um serviço hospitalar. Um serviço hospitalar tem enorme diferenciação de tecnologia e de áreas de intervenção, bem como várias especialidades médicas e outras, que não são necessárias numa unidade da rede. Se o dr. Ferraz Gonçalves faz essa crítica é porque certamente gostaria de dirigir uma unidade num hospital de agudos, que seria um departamento equivalente a um serviço de Medicina, de Ortopedia, etc., como é o caso do serviço [de Medicina paliativa] dirigido pelo dr. Lourenço Marques.
Vagas por ocupar
«TM» — Apesar das unidades que a rede tem aberto, continua a haver falta de UCP. Mas o dr. Ferraz Gonçalves também se queixa do facto de a sua unidade raramente ter a lotação esgotada. Como é que se compreende esta situação?
IG — É muito importante percebermos como é que se faz um planeamento, neste caso de CP. O planeamento tem a ver com a demografia e com os recursos financeiros e humanos. Se as pessoas do Norte precisam de CP, tentar que vão para o IPO do Porto, independentemente de serem de Trás-os-Montes, das Beiras, de Vila Real ou de Bragança… isso não é uma realidade que qualquer um de nós gostaria de viver. O que eu digo é que, se calhar, não precisávamos de tantas camas específicas para CP, tal como precisamos de pessoas a exercer acções paliativas em várias unidades da rede, seja nas unidades de média ou longa duração, seja nas equipas domiciliárias, seja em equipas nos hospitais.
«TM» — Está a dizer que a configuração da unidade dirigida pelo dr. Ferraz Gonçalves deverá ser revista?
IG — A configuração não. Mas o plano de CP tem de ser revisto, no sentido de haver respostas transversais, uma vez que só há uma resposta que é feita em internamento com três níveis de diferenciação. Tem de haver respostas que sejam feitas em ambulatório ou noutras unidades que não sejam de paliativos, como as unidades de longa duração da rede. Ou dentro dos hospitais por equipas próprias: as equipas intra-hospitalares de CP.
«TM» — A unidade do dr. Ferraz Gonçalves raramente tem a lotação esgotada por haver duplicação de respostas, tendo em conta a existência da UCP do IPO do Porto?
IG — Essa unidade do IPO só se dirige aos doentes do próprio hospital. Já a unidade do dr. Ferraz Gonçalves é para os doentes de toda a região Norte, e tem normalmente as camas ocupadas, com alguma excepção episódica de haver altas ou óbitos e não haver imediatamente pessoas referenciadas.
«TM» — Se há doentes sem resposta, como é que se compreende que não haja doentes referenciados e a vaga fique por ocupar?
IG — É necessário olhar para a cultura deste país. Muito precocemente, os outros países da Europa começaram a trabalhar em CP e a perceber a importância do apoio no sofrimento, do alívio da dor e do apoio emocional em fim de vida. Portugal só se tornou sensível a isso há muito pouco tempo. O que acontece é que os hospitais não referenciam doentes para CP. Não temos lista de espera em CP, embora possamos pensar que certamente muitos mais doentes precisariam deste tipo de cuidados. Mas é uma cultura que temos de ir mudando. E mudamos se formarmos as pessoas, se promovermos uma cultura de diferença, de sensibilização e de saber fazer.
Mudança lenta
«TM» — Tem falado muito nessa necessidade, mas a mudança de comportamentos está a demorar. Porquê?
IG — Porque é muito difícil que um médico, que estudou para tratar da vida até à morte, aceite dividir a sua sabedoria a partir de certa altura com uma especialidade que pretende tratar da morte. Há uma corrente entre os paliativistas que entende que só as pessoas com formação avançada em CP podem cuidar de um doente. Ora, não é porque o doente está a morrer que, por exemplo, o médico de família, que o acompanhou desde sempre, o vai descartar para outro médico. O importante é que se dê formação a todos os médicos e enfermeiros.
«TM» — Não deveria a mudança começar por acontecer ao nível das equipas de gestão de alta (EGA), nomeadamente no que diz respeito à referenciação?
IG — As equipas referenciam, mas quem tem de sinalizar os doentes às EGA são os serviços. Se um serviço de Medicina ou de Oncologia, por exemplo, não refere à EGA que tem um doente para sinalizar, a EGA não tem ninguém para referenciar. Infelizmente, as EGA ainda não são mobilizadoras dentro do hospital desta cultura, mas devem ser.
«TM» — Recentemente admitiu que, por vezes, as EGA só começam a tentar encaminhar os doentes no próprio dia da alta. Porque é que isto acontece?
IG — É o médico que passa e diz que determinado doente tem alta. Ora, isto é uma cultura de desrespeito pelos doentes e pelas suas famílias. A falta de preparação da alta significa má qualidade. A qualidade nos hospitais passa por não dar altas às sextas-feiras, quando não há serviços preparados, quando a família não está preparada e quando não houve oportunidade de equacionar respostas adequadas; passa por o doente ser sinalizado o mais precocemente possível. E para isto as EGA têm de ter poder, dentro do hospital, ir aos serviços e elas próprias, em articulação com os médicos e enfermeiros responsáveis pelos serviços, identificarem os doentes que devem ser sinalizados para a rede.
Formação e sensibilidade
Inês Guerreiro defende a necessidade de integrar conteúdos relacionados com os CP nos curricula dos cursos de Medicina. Mas tão importante como isso é, na sua opinião, que «as funções dos clínicos integrem o saber preparar o doente para morrer ou saber desistir da cura quando esta já não é possível». «É preciso que se invista nessa formação e nessa sensibilidade», destaca. Pois «se nós quisermos criar unidades onde há especialistas que só eles é que sabem tratar do assunto, vamos criar uma secção de exclusão das próprias pessoas que sabem que quando vão para uma unidade dessas vão para morrer». E aí volta-se aos «chamados asilos, que têm um enorme estigma de exclusão e de grande impacte negativo», conclui.
Conhecer as reais necessidades
«TM» – Disse que as EGA deveriam ter mais poder. A Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados (UMCCI) está a tentar que isso seja uma realidade?
IG – Claro, mas este é um processo que tem três anos e nós temos uma cultura na Saúde que tem séculos. Portanto, temos de ver que muito está feito e, apesar de eu dizer estas coisas, tiremos o chapéu aos hospitais, que têm feito uma enorme reforma e têm aceite ser invadidos por uma cultura que os obrigou a abrir-se à comunidade e a ver para além das suas portas. Só que, sejamos sinceros, se neste momento se referenciassem todos os doentes com necessidade nós não teríamos resposta…
«TM» — A RNCCI responde apenas a um terço das necessidades…
IG – Sim e nem sabemos se é só esse terço, porque nós não sabemos qual é o universo. Sendo que o universo corresponde a todas as pessoas que precisam de ser reabilitadas e reinseridas; todas as que precisam de ser cuidadas do ponto de vista da saúde e tendo em conta o contexto social, no caso de não terem cuidados ou de não poderem estar em casa; todas as que precisam de alívio no sofrimento e depois na morte e que não podem estar em casa ou, podendo, têm de ter apoio domiciliário.
«TM» — E quando é que vai haver conhecimento desse universo?
IG – Está a ser elaborado um estudo pela Escola Nacional de Saúde Pública em todos os hospitais, para ver qual é o indicador que nos permitirá dizer quantos doentes devem ser referenciados para a rede em cada hospital. Deveremos ter conclusões até final do ano. Esta encomenda de trabalho faz parte do nosso objectivo de conhecermos a realidade para planearmos melhor.
Unidade de Seia ainda «não abriu»
«TM» — Ainda em relação aos CP, abriu uma unidade em Seia que depois, constata-se, não tem médico…
IG – A unidade de Seia não abriu mas foi inaugurada, o que é diferente. A UCP ainda não está a funcionar porque a equipa está a ter formação.
«TM» — Não é por falta de médico que ainda não está a funcionar?
IG – Não é por falta de médico necessariamente, mas porque toda a equipa está a ter formação. Há médico, há equipa, mas estão em formação.
«TM» — Continuam a ser escassas as UCP em Portugal…
IG — O que tem acontecido em Portugal é que os hospitais não se têm mostrado interessados em criar UCP. E tem sido a RNCCI a única a levar cabo a criação de UCP nos hospitais. Antes havia a unidade do IPO do Porto, a unidade do Fundão e outra da Santa Casa da Misericórdia. Entretanto, a rede criou uma outra unidade no IPO do Porto, outra nos hospitais do Litoral Alentejano, Serpa, Seia e Cantanhede; contratualizou camas com o Hospital Residencial do Mar, fê-lo também com as Irmãs Hospitaleiras em Belas e com a L. Nostrum, em Lisboa. Também criou uma UCP nos hospitais do Barlavento Algarvio e de Tomar.
Contacto entre médicos
«TM» — Na entrevista que nos concedeu, o dr. Lourenço Marques disse que prefere não integrar a rede porque aqui impera uma referenciação «que é contrária a direcções de serviços». Diz ainda que «o contacto é central e na rede isso não acontece». Como responde a esta crítica?
IG – O dr. Lourenço Marques é director de um serviço hospitalar e considera que o serviço é um espaço dele e ali atende os doentes que acha que devem ser atendidos. Quer preservar essa possibilidade e está no seu direito. Pratica certamente um contacto caso a caso com os colegas e na rede não é assim. Claro que na rede deve haver contacto entre médicos. É imperioso que haja.
TM» — Mas esse contacto é critério obrigatório nas unidades que integram a RNCCI?
IG – O critério obrigatório é o doente entrar com uma avaliação médica, de enfermagem e social. Quando o doente entra deve levar uma nota de alta, mas é fundamental e imperioso que a unidade de cuidados continuados, seja ela qual for, ligue para o médico que deu alta àquele doente, seja do hospital ou centro de saúde e fale com ele. Infelizmente, nós não temos esta cultura em Portugal. Eu diria, como dizem os médicos espanhóis com graça, que é preciso tomarmos todos muito café. Ou seja, encontrarmos tempo para dialogar. Não é hábito os médicos falarem uns com os outros. Portanto, quando os doentes entram na rede, nem o médico da unidade fala com o médico do hospital que deu alta ao doente, como muitas vezes o médico do hospital acha que não deve dar informações que são preciosas para o doente ser seguido por outro colega. Que é o que diz, por exemplo, o dr. Ferraz, que há doentes que lhe chegam sem determinadas informações que são fundamentais. Lá está, outra vez, a nossa cultura a imperar. Nós temos de perceber que o doente não é meu, nem teu, nem dele! O doente é uma pessoa que tem necessidades, que têm de ser cuidadas por quem estiver com ele no momento.
«TM» — E o que é que está a ser feito para garantir que haja esse contacto entre médicos?
IG – Garantindo continuidade de cuidados. Ou seja, garantindo que um doente quando sai do hospital leva as informações adequadas e não sai antes de ser preparado o prestador que se segue, que pode ser um centro de saúde, uma unidade da rede, um cuidador ou um outro serviço do hospital.
«TM» — Isso é o que deve ser feito, mas pelos vistos não acontece sempre. Como é que esse contacto se torna um imperativo?
IG – Para já, a rede criou uma obrigatoriedade que é a plataforma web. A tal plataforma que muita gente diz que é burocrática. É verdade que no início a plataforma tinha problemas de funcionamento, a banda do Ministério não era muito larga e as ligações demoravam muito tempo. Mas por outro lado também se foi vencendo esta resistência em registar. E as pessoas começaram a perceber que registar a avaliação clínica, a avaliação de enfermagem, a avaliação social, o peso, as úlceras de pressão, as infecções, a situação psicológica, enfim, toda uma série de informações que são importantes para se conhecer o doente, significava que depois os doente ia ser mais bem tratado e que evitava o regresso ao hospital. Se o doente sai do hospital sem as informações todas, acontece que quando entra na unidade a equipa que vai pegar nele encontra um desconhecido e não aquele que veio descrito. Muitas vezes, volta para o hospital e muitas vezes tem recaídas que não estavam previstas. Neste momento, a plataforma funciona como meio de articulação entre todos os prestadores, as EGA, as equipas de coordenação local que estão nos Aces, as equipas de coordenação regional, os prestadores todos… a própria UMCCI. Estamos todos em rede. Como é óbvio, se não houver registos ninguém sabe como é que o doente entrou e como é que saiu. Como é que podemos dizer que prestamos cuidados de qualidade? Se não se monitoriza nunca saberemos se a rede presta ou se só serve para gastar dinheiro do País.
«TM» — O dr. Lourenço Marques não querer integrar a rede, no entanto, no site da RNCCI, o serviço que ele dirige aparece como fazendo parte. Porquê?
IG – É um lapso, porque assim esteve em 2006.
«Doentes não se perdem»
«TM» — Depois, também há doentes que se perdem na RNCCI. O dr. Ferraz Gonçalves falou nisso na entrevista que nos concedeu…
IG – Não, os doentes não se perdem. O que o dr. Ferraz Gonçalves quis dizer é que quando se dá alta a um doente, o sistema tem de ter o doente no centro dos cuidados. O que o dr. Ferraz deve fazer, e faz certamente, é uma nota de alta para que esse doente possa, se necessitar, procurar quem lhe preste continuidade de cuidados. E que pode ser o centro de saúde ou a Segurança Social. Se o dr. Ferraz Gonçalves acha que aquele doente deve voltar a entrar na rede, é muito simples: Ele não diz que tem sempre vagas? Então, não vejo qual é o problema.
«TM» — Mas depois de ter tido alta de uma unidade da rede, caso um doente volte a precisar de entrar tem de passar por todo o processo novamente…
IG – Sim, e o processo demora um dia. É só introduzir as informações. É muito difícil que os médicos hospitalares aceitem que não são eles que, de facto, dirigem um serviço. Ora, isto não é um serviço hospitalar. Se o dr. Ferraz aceitou dirigir, e bem, esta unidade – que é fantástica, tem uma qualidade excelente — então tem de aceitar as regras. Não pode agora querer ser director de um serviço hospitalar, porque não é disso que se trata. Aquilo não tem Urgência, não tem consulta externa. A rede não é um nível de cuidados hospitalares.
«TM» — Porque é que a unidade não pode estar de porta aberta para readmitir um doente que já lá tenha estado internado anteriormente?
IG – Pode readmitir pelo mesmo processo, ou seja, com informação adequada, introduzindo a informação na plataforma web e colocando em lista da espera. Se o dr. Ferraz diz que tem vagas, qual é o problema? Há muitas coisas que têm de ser alteradas com o tempo. As pessoas têm de perceber que a mudança não ataca ninguém e que não têm de se defender da mudança. Mas também tenho de fazer jus a que a Saúde tem mudado tanto — os clientes da saúde mudaram tanto! De facto, os profissionais de saúde estão permanentemente expostos a mudanças que os fazem criar grandes instabilidades até face ao seu trabalho e à função das instituições em que estão.
Profissionalização das EGA
«TM» — Em relação à necessidade de mudar, o antigo secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Francisco Ramos, chegou a admitir a necessidade de mudar e melhorar os procedimentos de referenciação…
IG – Sem dúvida. Nós temos de melhorar sempre. E ao fim destes três anos estamos a fazer um estudo sobre os constrangimentos da referenciação. Já fizemos alterações ao aplicativo em Abril e vamos fazer novas melhorias, nomeadamente, vamos criar um módulo só para referenciação para CP, que vai tornar o procedimento mais fácil, já que tem critérios específicos para paliativos.
«TM» — O dr. Francisco Ramos disse também que estaria para breve a publicação de um despacho a determinar que os profissionais das EGA passem a trabalhar a tempo inteiro nestas estruturas. Que é feito desse despacho?
IG – São dois despachos que ele deixou assinados e presumo que serão publicados. Destinam-se a conferir estabilidade e profissionalização, ou seja, dar tempo inteiro às EGA e às equipas de coordenação local. Este trabalho não se faz com carolice; não se faz com duas horas por semana ou por dia. São muitos utentes! Só num mês são referenciados 4 mil doentes. Não podemos brincar com esta situação. Isto significa a pressão enorme que Portugal tem com o seu envelhecimento. Cerca de 40% de todas as altas hospitalares são de pessoas com mais de 65 anos, e destas, 50% precisam de continuidade de cuidados. Não estou a dizer que tem de ser na rede, pode ser no centro de saúde ou na Segurança Social. Mas temos de levar a sério a necessidade de o sistema garantir a continuidade de cuidados, a passagem de informação e a preparação das altas e dos circuitos dos doentes. Não podemos prescindir de exigir que haja informação, registo e monitorização, para podermos fazer avaliação.
Esse despacho das EGA diz também que é obrigatório criar, em cada hospital central, uma equipa intra-hospitalar de cuidados paliativos. O Parlamento Europeu indica como meta criar uma equipa destas em cada hospital com mais de 250 camas. Neste momento, temos 14 equipas intra-hospitalares. No futuro, essas equipas deverão fazer aconselhamento nos serviços hospitalares, nas equipas domiciliárias dos centros de saúde e até nas unidades de cuidados continuados, que não sejam de paliativos.
Além de fazermos formação a todos os profissionais, já pedimos à Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) para ser formadora do nosso plano de formação para 2010, que abrange todas as equipas e unidades. Até ao momento, a APCP ainda não se pronunciou, disse que ia analisar o pedido. Estamos a aguardar com muita esperança.
IPO de Lisboa como centro de referência
«TM» — Entretanto, já foi estabelecido um protocolo com vista a que o Instituto Português de Oncologia de Lisboa constitua o centro de referência da rede…
IG – Exactamente. Neste momento, não temos nenhum centro de investigação. Não há. Não se faz investigação em CP em Portugal, pelo menos eu não conheço. Não há nenhum centro de estágio que certifique, como há, por exemplo, na Catalunha, que tem o Instituto Catalão de Oncologia. O IPO de Lisboa foi o primeiro, oxalá os outros IPO também queiram.
«TM» — E os doentes não oncológicos?
IG – Para já, estão distribuídos pelas unidades de paliativos que criámos, 11 no total. Por outro lado, sabemos que não podemos fazer tudo e temos de começar por onde há mais percentagem de doentes. O nosso objectivo é, nestes 10 anos, conseguirmos atingir aquilo que é a satisfação das necessidades do País. Para já, pensamos que todas as unidades devem receber todo o tipo de patologias e os IPO, esses sim, devem especializar-se nos CP de Oncologia. Afinal, é o que os médicos dizem que já fazem, se bem que precisem de uma formação mais aprofundada. Pelo menos no IPO de Lisboa. O IPO do Porto já tem uma unidade e o IPO de Coimbra tem também uma UCP. Aliás, o IPO de Coimbra está a ajudar-nos em termos de formação em todas as unidades do Centro.
Recursos humanos sensibilizados
«TM» — Há pouco disse que se todos os doentes fossem referenciados, não haveria unidades suficientes. E médicos?
IG – Não haveria nem médicos nem restante pessoal adequado. Por isso, temos um planeamento a três fases e contamos com as mudanças que são sempre lentas. Mudanças culturais. A necessidade existe já há muito tempo. Neste momento, as camas da RNCCI estão esgotadíssimas. Já precisávamos de muito mais. Mas temos de olhar à qualidade e agora é o que estamos a fazer. Ao mesmo tempo criámos dois programas de financiamento a fundo perdido de 75% do investimento das IPSS em novas unidades; criámos também programas de auditorias externas clínicas e organizacionais, que estão a fazer o acompanhamento de todas as unidades da rede para monitorizar a qualidade dos cuidados. E esse é um objectivo muito importante.
«TM» — A falta de médicos poderá também estar relacionada com o facto de esta não ser uma área muito atractiva, já que, como disse, lida com a morte e não com a possibilidade de cura?
IG – Isso se pensarmos que tem de haver UCP só para tratar esses doentes. Se nós admitirmos, como diz a OMS, que esses doentes podem ser tratados onde estão, seja em casa, em hospitais de agudos, ou em camas da RNCCI… Há unidades de CP especializadas, mas não são a maioria.
«TM» — Mas não reconhece a necessidade de criar um discurso de atracção diferente, para cativar médicos, como diz o dr. Lourenço Marques?
IG – É preciso é criar um discurso de sensibilização, de formação. Uma formação muito forte em CP destinada a todos os profissionais de saúde. As próprias auxiliares têm de ter sensibilidade para lidar com um doente terminal, tem de se apostar fortemente nessa formação. Felizmente, em Portugal temos muita gente com mestrados, pós-graduações e e-learning.
«TM» — É contrária à ideia de haver uma especialidade de Cuidados Paliativos reconhecida pela Ordem dos Médicos?
IG – Nem me meto nisso! Isso é um assunto da Ordem dos Médicos, não tenho sequer opinião sobre isso.
Proximidade de cuidados
«TM» — Ainda na entrevista ao nosso Jornal, o dr. Lourenço Marques sublinha a necessidade de proximidade dos cuidados em relação à população, e a dr.ª disse isso mesmo…
IG — Exacto. Não vamos fazer UCP para centralizar os cuidados, temos de fazer chegar os cuidados onde estão as pessoas.
«TM» — Mas ele também diz que a UMCCI pretende aumentar o número de camas do seu serviço. É isso que vai acontecer?
IG – Nós preconizamos e estamos a financiar a remodelação do Serviço de Medicina Paliativa do Hospital do Fundão. Para que em vez das 10 camas de que o dr. Lourenço Marques dispõe agora possam estar disponíveis mais. Mas como isso vai ser gerido, não é connosco. A RNCCI financia o investimento para melhorar as instalações…
«TM» — Sem a contrapartida de aquela unidade passar a integrar a rede?
IG — Sem nenhuma contrapartida. Tal como o IPO de Lisboa vai ser financiado sem contrapartida, sem integrar a rede. Passa a tratar os doentes sem os enviar para a rede.
«TM» — A UMCCI não determina o número de camas que passará a haver no serviço do Fundão?
IG – Não. É sempre por candidatura. Cada hospital diz se quer integrar a rede ou não. Até agora todos quiseram, à excepção do Fundão. E, como é óbvio, do IPO de Lisboa.
«TM» — O dr. Lourenço Marques também entende que haveria necessidade de criar UCP em Castelo Branco e na Guarda. A UMCCI detecta também estas necessidades?
IG – Isso é o entendimento do dr. Lourenço Marques. O nosso entendimento é que não estando ainda em funcionamento a unidade de Seia, não sabemos bem quais são as outras necessidades. Que na Guarda temos uma unidade de cuidados continuados que poderá necessitar de pessoas formadas para fazer acções paliativas, tudo bem. Nós na rede vamos primeiro analisar a situação, para não acontecer criarmos uma unidade e depois não haver necessidade.
Retirado de Tempo Medicina