Seria possível retardar – e um dia, talvez, tratar e mesmo prevenir – a doença de Alzheimer prevenindo os acidentes vasculares cerebrais ou AVC? Vladimir Hachinski, neurologista da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, defende esta ideia e tem concentrado os seus esforços científicos dos últimos anos na sua validação. Os AVC silenciosos pdoem conduzir ao Alzheimer, diz o investigador (Nélson Garrido). “Os AVC e a doença de Alzheimer têm muitos factores de risco em comum e ocorrem frequentemente juntas”, explicou-nos o cientista pelo telefone. Mas os médicos, acrescenta, nunca olham ao mesmo tempo para as duas doenças. “É precisamente o que nós fazemos. As duas doenças interagem e é essencial olhar para ambas em conjunto”. Pelo seu trabalho nesta área, Vladimir Hachinski recebe hoje, na Universidade do Minho, em Braga, o Grande Prémio Bial de Medicina, num valor de 200 mil euros. Hachinski destaca vários aspectos estatísticos relevantes: uma em cada três pessoas morre de AVC ou de Alzheimer ou das duas ao mesmo tempo. Vinte por cento dos doentes com AVC desenvolvem, passados três meses, uma demência que, nalguns casos, é semelhante à doença de Alzheimer. Por cada AVC diagnosticado há cinco “silenciosos”, que passam despercebidos. Ora, mesmo estes AVC silenciosos podem ter efeitos devastadores se a pessoa já tiver no cérebro os chamados “depósitos amilóides”, acumulações de uma determinada proteína que acabam por ser tóxicos para os neurónios e que caracterizam um Alzheimer emergente. “Em caso de AVC, a presença de depósitos amilóides pode precipitar o desenvolvimento da doença da Alzheimer”, afirma Hachinski. É como se, devido ao AVC, fosse ultrapassado um “ponto de não retorno” a partir do qual os danos que conduzem ao Alzheimer se tornam irreversíveis. Os resultados de experiências em ratos, realizadas pela equipa de Hachinski, sugerem que isso é precisamente o que acontece. “Injectámos proteína amilóide no cérebro dos ratos e constatámos que quando esses animais sofriam um pequeno AVC, que normalmente não afectaria as suas capacidades de aprendizagem, a sua evolução era muito pior [do que a dos ratos que não tinham depósitos amilóides]. Apresentavam grandes deficiências de memória e de aprendizagem e o seu estado piorava, tal como acontece aos seres humanos”, explica Hachinski. Daí a hipótese que Hachinski tem investigado e que espera poder confirmar nos humanos. “Se conseguirmos prevenir os AVC silenciosos, então devemos ser capazes de retardar a progressão da doença de Alzheimer”, diz. Detectar os AVC Como fazer então para detectar eventuais AVC silenciosos? Existe um teste, chamado Avaliação Cognitiva Montreal, ou MoCA, explica-nos ainda Hachinski, que não exige a intervenção de um médico (pode ser feito pelo pessoal de saúde devidamente treinado) e que detecta défices na capacidade de planificar, de resolver problemas, etc. – ou seja, na “função cognitiva” da pessoa. O MoCA poderia tornar-se um teste de rotina para as pessoas de risco – hipertensos, diabéticos, pessoas com colesterol elevado, obesos, pessoas com mais de 60 anos. Na presença de défices cognitivos deste tipo, realizar-se-ia um exame mais fino, por tomografia computa- dorizada (TAC), para confirmar a existência de tais AVC. E para, caso o resultado fosse positivo, iniciar um tratamento preventivo dos factores de risco dos AVC. “Tenho a certeza de que conseguiríamos prevenir 50 por cento dos AVC – e talvez até oitenta por cento”, afirma Hachinski. E por via de consequência, proteger mais cedo os doentes com depósitos amilóides (também visíveis nas TAC) e até começar a tratá-los muito mais precocemente contra a própria doença de Alzheimer. “Os resultados obtidos com os novos medicamentos antiamilóide não têm sido muito positivos”, diz Hashinski. “Mas, a confirmarem-se os nossos resultados, esses medicamentos poderiam ser utilizados quando existem depósitos amilóides.” Outros dados experimentais em ratos mostram que certos anti-inflamatórios podem retardar o Alzheimer. Hashinski espera poder confirmar que também funcionam no ser humano nos próximos dois anos. E, talvez um dia, travar ou prevenir a doença. “Actualmente, o mais realista é tentar retardá-la e, com a nossa abordagem, podemos começar a fazê-lo já.” Público 06.05.2011
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