Três escadas na entrada de uma casa são suficientes para roubar a liberdade de quem perdeu capacidades de locomoção. Há muitas centenas de idosos no país impedidos de sair à rua por falta de acessibilidades nos edifícios habitacionais. A nova lei pouco mudou.
Prisioneiros das suas casas, das suas incapacidades, dos seus medos, não saem à rua sozinhos porque, de um dia para o outro, a escadaria do prédio passou a ser instransponível ou a porta demasiado estreita para passar a cadeira de rodas. O JN conheceu alguns idosos que, apesar de se movimentarem em casa, estão há anos cingidos a quatro paredes. Sozinhos, sobrevivem com a ajuda de familiares ou a caridade de vizinhos. Desinteressados da vida no exterior, esperam a morte dentro de casa.
Num país cada vez mais envelhecido não é difícil encontrar exemplos destas “prisões domiciliárias” forçadas. Um estudo gerontológico da Câmara de Lisboa concluiu, no ano passado, que o acesso à maioria das habitações dos idosos (73%) tem degraus. Os técnicos encontraram uma mulher de 85 anos, a viver num segundo andar acessível por 40 escadas, retida em casa há nove anos. No Porto, em Matosinhos e em Gaia, e em muitas outras cidades, há casos idênticos. Sobretudo nos centros históricos, onde os edifícios antigos têm acessos penosos até para os mais jovens.
O decreto lei 163/2006 de 8 de Agosto que define o regime das acessibilidades aos edifícios públicos e, pela primeira vez, aos habitacionais, pouco ou nada mudou no que respeita aos prédios antigos. Patrícia Lourenço, arquitecta da Companhia de Arquitectura e Design (CAD), entende que a lei actual é mais exigente do que o revogado decreto-lei 123/97, mas “tudo pára na hora da fiscalização”. O projectista de um edifício novo está obrigado a entregar um projecto específico de acessibilidades, mas muitas vezes, como não há fiscalização, não é concretizado.
Incentivos à readaptação
Para a maioria dos edifícios existentes, a legislação impõe prazos (de cinco e dez anos) para readaptação, mas não o faz com os prédios habitacionais. A lacuna poderia ser preenchida, como advoga Patrícia Lourenço, com a criação de planos para financiar a readaptação dos edifícios antigos. “Nos Estados Unidos há programas que apoiam a instalação de elevadores e, por exemplo, a transformação de banheiras em polibans”, refere a arquitecta, mestre em construções. “Sem políticas proactivas de promoção das acessibilidades não vamos lá”, conclui.
Humberto Santos, presidente da Associação Portuguesa de Deficientes lamenta que a legislação e os seus efeitos práticos sejam duas realidades tão distintas. Além da falta de fiscalização, “o valor das coimas é um apelo ao incumprimento”. O responsável pede que as entidades que não cumprem a lei das acessibilidades sejam proibidas de aceder a programas de incentivos financeiros. “Não podemos continuar a dormir descansados sobre uma legislação que não tem efeitos práticos”, remata.
A legislação que serve deficientes e idosos não abrange edifícios antigos. Se não houver rigor com os novos, os problemas da mobilidade perdurarão sem fim à vista.
Fonte: Jornal de Notícias